As estrelas são sinais luminosos do passado para o futuro, que tentam nos explicar as coisas sem dizer nada. Agem sem agir, gravitacionalmente nos colocando onde devemos estar. E lá estava eu, dobrando o canto da galáxia para encontrar uma das pessoas mais interessantes e intrigantes que conheci nas últimas décadas.
Por mais incongruente que me pareça, quando nos conhecemos, talvez tenha sido o mais estranho até então. Passamos por volta de 15 horas conversando, sem parar, sobre todo e qualquer assunto que nos viesse à cabeça. Fiquei impressionado porque há meses tentava conversar com quem quer que fosse, mas conversar mesmo, com profundidade e percebendo que a outra pessoa também estava ali, mesmo estando atrás de uma tela qualquer. Se eu for contar, até agora, acho que conversei mais com ela do que a soma da conversa de todos os namoros que já tive. Assumo, claro, que a culpa desse desleixo com as ex foram 90% de mim. Não preciso mais mentir.
E é nesse contexto que a encontrei. Seu nome era Equidna Dranea. E é nesse movimento que busquei ela na porta de casa, sem qualquer presunção, só querendo conversar com alguém que me entende e que admiro por vários fatores. Quando abro a porta do carro pra ela, vejo uma mudança repentina e que eu nunca imaginara em seus cabelos, quase me declaro sem nem estar apaixonado. Sou refém eterno da beleza feminina. Arauto-escravo exaltado dela. Enquanto dirigia rumo onde iriamos trocar ideias mil e beber para soltar o que tivesse que, em meio a bicos de piadas mal feitas e interpretações com inúmeros fios soltos, o riso de ambos ia aparecendo. Não consegui parar de olhar para os olhos dela em momento algum que ela falava, sentia mesmo que ela estava ali, por mais surpreendente que pudesse me parecer, mas agora entendo que todo o alinhamento surgiu pelas palavras trocadas. Pelos sinais no corpo dela. Pelos dias de conversa sincera que quase ninguém tem.
Dentro dos meus devaneios, nunca tive qualquer intenção até então de ser tão intenso no que tange vontades carnais. Sempre fui muito mais interessado nas palavras, nos toques sem tocar, no aprender das esotéricas e iniciáticas ideias em pleno século tecnológico, - justamente isso que me atraia mais e mais na medida em que íamos nos conhecendo - a presença dela entrava pelos oito buracos da minha cabeça, principalmente pelo terceiro olho. Sensor que tudo sente, órgão espiritual que mais recebia essa emanação da sua aura, miasma do campo magnético fluindo liquefeito direcionado a formar uma metafísica só nossa, sem pretensão alguma, existindo porque havia de existir.
Percebi que mulheres do signo de aquário têm esse poder sobre mim, mesmo que infimamente. É como se fosse uma benção maldita, quase todas são magicamente lindas, e se interessam por mim, criam algum tipo de afinidade sem nem eu me esforçar. Antes desse fato que narro, tive um” caso” com uma raposa de nove caudas, linda e deliciosamente entregue por uma noite, e eu também me entreguei. Em meio a ciúmes infundados e caos inebriante, dentro de conversas sobre futuros impossíveis juntos e sofrimentos passados, fui me percebendo mais carente do que eu queria ser. Serviu-me de experiência instrumentalizada, foi útil porém efêmero como amor de madrugada, como se eu fosse o protagonista de um filme de Scorsese. E escorreu pelos meus dedos do mesmo jeito que derramou na minha mão. Sumiu num acesso de justiça sem qualquer eira nem beira. Mas era melhor assim, sempre é melhor do jeito que é.
Depois disso, me vi isolado em mim, tentando administrar as energias que circulavam na minha casa, tentando me compreender como gente. Afinal, eu, no auge dos meus 37 anos, nunca tinha ficado solteiro por mais de 8 meses desde a primeira vez que namorei, aos 18. Não me conhecia, ouso dizer que nem um pedaço do que me entendo hoje. E meu coração sabia disso, mas não conseguia passar por cima de toda a carência que cultivei. Por isso, me impus o dever de não me envolver de alguma forma apaixonada com ninguém. É difícil, muito. Sou talvez a pessoa que mais depende emocionalmente dos outros que conheço. Falo isso com gosto e com bastante temperança, assumir-se é parte importantíssima no autoconhecimento. E me peguei nesse status quo em pleno desenvolvimento próprio, indo de encontro ao meu espírito há muito dormente. Veja bem, nossa realidade ocidental nunca se preocupou em ensinar o principal salto necessário para nos tornarmos seres humanos de fato, a percepção do “EU-SOU”, a limitroficidade do que nos forma e onde o outro começa. E ela, Dranea, me ajudou a sentir isso da forma mais natural possível: conversando de corpo e alma, sem barreiras ou asneiras predefinidas pelo ruído brancovomitado pela sociedade.
Passamos horas sentados num barzinho, nos conhecendo pouco a pouco, pois até então só havíamos nos visto umas 2 vezes, meio que de relance em rolês aleatórios. E caía uma chuva tão interminável que nos prendia em nós e fazia o sertanojo universitário do bar ser obliterado pelo barulho da água intermitente. Certeza era São Pedro junto com Iansã consagrando nosso primeiro encontro. E ela reluzia como um raio dentro dos meus olhos. A forma de explicar, o modo cautelosamente caótico e cirúrgico de se mover, de me olhar no fundo, sem precisar que eu me repetisse, me deixou confortavelmente presente em mim. Ela é tudo isso, não to falando nada a mais do que vi, apesar de ser um poeta menor.
Depois da chuva, a noite ainda parecia curta para tanta conversa. Resolvemos ir pra um posto, daqueles que os fritos e os bomba-trance se desfalecem até umazora. E mais papo, mais entregas, mais intimidades expostas, mais vontades de ficar mais juntos, mais decotes e mais olhares instigantes, à medida que o álcool nos tomava, pouco a pouco. E ainda sinto as palavras entrando pelos meus ouvidos, letra por letra, se formando concisas como tijolos que compõem um baldrame para se levantar uma parede - que não faz sombra em momento algum do dia - de um edifício chamado Persona. Senti muita vontade de me lançar e tentar um beijo, só pra ver o que acontecia, mas percebi que não era isso que de fato queria. Eu precisava mesmo era de me tornar vivo com ela, com a magia dos símbolos fonéticos, feitiços silábicos que levam qualquer sensibilista pra onde quer que se direcione.
Após muito insistir, consegui levar ela para minha caverna. Eu, sem intenção alguma de tentar algo que Dreana não quisesse, me fiz claro e sincero nos pedidos. Ela, dizendo que não queria chegar pela manhã em casa, finalmente viu que não era mais um “homo sapiens nihil modernivns” que propusera a cavernagem, viu que não sou daqueles que só pensam em transar a todo custo. Não sou isso e nunca fui, nunca vou ser. Ainda mais com alguém que me instigou de uma forma inédita.
Até hoje ela paira aqui em casa. A presença dela marcou todos os cantos da caverna, iluminou as sombras, arestas, limpou as hachuras como se fossem detalhes ínfimos, como se toda esquina escura das ruas no universo espalhado na minha cabeça não passassem de pequenos detalhes frugais sem qualquer complicação imediata ou futura, sem sentido algum. Todo movimento dela me chamava atenção, me sugava os neurônios já dopados, me exigiam tudo de mim. Ela é linda, e na minha casa então… Várias vezes pensei em ser um idota completo, de novo e de novo e de novo nessa vontade de me arriscar entre a amizade e o carnal: “-Mas por quê que a amizade não pode ter essa carne?” Pensava durante o que explanamos. “-Será que alguém já fez e deixou essa deusa realmente feliz? Levou café na cama e beijou o corpo inteiro dela, da ponta do dedão do pé até o fim do fio de cabelo mais comprido? Será que ela sabe o que eu posso fazer pela felicidade dela, pelo o que ela fez pra mim, pelo simples fato de ela ter sido quem é, sem mentir e sem esconder o que todo mundo esconderia? Será que eu, um reles ctônico decaído, consigo fazer a diva-mãe sentir todas as sensações que ela merece?
Não tenho essa certeza, mas se a musa do provável me tecer em meio as suas pernas, vou ser melhor do que já fui. Sou carinho inteiro e afeto eterno por onde toco, e por ela me faria completo desde o primeiro toque, pra logo depois ir embora, pra deixar tudo perfeito sem precisar de reparos”. Pensei nisso tudo, enquanto a entendia e recebia e logo deixei de lado.
E logo a deixei em casa, querendo não.
A mãe dos monstros, feiticeira-pesquisadora dos arquétipos interpessoais. E eu, um Argos que nada via, mesmo com meus 26 olhos, fui morto antes mesmo de tentar ser e deixar-la ser, enebriado e torpe pela magia de aquário.
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